Imerso em fluxos multiescalares e de múltiplos conteúdos, o urbano contemporâneo resulta de cruzamentos plurais entre sua matriz histórica e atuais lógicas de produção. Em um cenário em que padrões espaciais são submetidos a universos que se tornam referenciais globais e hegemônicos, o pensamento contemporâneo é confrontado com a tendência totalizante de preponderância do capital sobre a vida pública. Em processos que objetivam a expansão da base social necessária para a acumulação de capital, observam-se transformações do espaço urbano que podem levar não apenas à sua instrumentalização mas também à redução do seu valor público. Sua dinâmica de constante transformação expõe rupturas e geram novas relações entre o social, o físico, o político, o simbólico, o cultural e o próprio lugar, reestruturando os usos e as formas de apropriação do espaço urbano.
É com vista neste enquadramento que se faz fundamental conhecer as narrativas e os sujeitos que produzem o espaço urbano, bem como os conflitos que nele emergem. Uma vez que as pesquisas desenvolvidas pelas ciências sociais aplicadas nos movem a buscar estabelecer relações teórico-empíricas com as práticas urbanas do nosso cotidiano, a produção cinematográfica assume o seu protagonismo dentro das artes visuais, tornando-se um importante instrumento para essa empreitada.
Tendo o cinema como ponto de partida para as discussões sobre a cidade, o Laboratório de Estudos do Ambiente Urbano Contemporâneo (LEAUC) vem realizando, desde 2015, ciclos de debate e exibição de filmes intitulados Urbanicidades [1] - termo que recupera noções como “urbano”, “urbanidade” e “cidade”. Atualmente já em sua sétima edição [2], o Urbanicidades surgiu como um exercício epistemológico de olhar sobre a cidade - pensada como realidade e ideário em constante transformação -, buscando-se questionar seus processos de conformação, modos de habitar, ideologias e práticas. Seu formato possui uma curadoria interna que define as obras a serem exibidas e os eixos temáticos de cada ciclo, mas é aberto à comunidade intra e extra-acadêmica como forma de ampliação da discussão entre os temas eleitos e as pesquisas do grupo para com a sociedade.
Buscando interrogar/desestabilizar eventuais certezas e categorias que adotamos na observação e investigação da cidade contemporânea, assim como ações que demandam uma revisão e atualização de seus instrumentos investigativos e analíticos tradicionais, os seguintes questionamentos fundamentam a reflexão aqui proposta: os termos e conceitos que têm sido utilizados para explicar os fenômenos urbanos ainda podem ser aplicados da mesma forma? Ou identifica-se a necessidade de que sejam revistos, revisitados, reinventados ou, até mesmo, abandonados?
Produções audiovisuais selecionadas e seus possíveis eixos de análise temática.
Em linhas gerais, ao longo das edições do evento foram identificados cinco eixos centrais que permearam o debate e a curadoria dos filmes: (1) a apropriação dos espaços públicos; (2) as transformações urbanas e os processos de produção da cidade; (3) modos de habitar e morar; (4) a representação de grupos excluídos, em que perpassam questões de raça, gênero e pobreza; e (5) a cultura urbana regional. Para além de seu entendimento como categorias fixas que compreendem as películas exibidas, essas linhas temáticas se complementam, se desmembram em subtemas e dialogam com o objetivo geral do evento: a proposição de um espaço de reflexão sobre o espaço urbano contemporâneo. Este ensaio busca, portanto, apresentar alguns dos filmes eleitos pela curadoria do Urbanicidades ao longo destes cinco anos dentro de cada uma das chaves de leitura, como forma de trazer ao leitor possibilidades de análise cruzada e reflexão sobre os temas de interesse do grupo e dos estudos urbanos em geral. Por fim, serão expostas as intenções futuras do projeto, já incluído dentro do calendário oficial de atividades do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, da Universidade de São Paulo (IAU-USP).
1. APROPRIAÇÕES DO ESPAÇO PÚBLICO
Partindo de um entendimento do espaço público enquanto espaço de materialização dos conflitos, do debate - do lugar de ouvir e se fazer ouvir - e da manifestação pública não necessariamente consensual; pode-se dizer que sua concepção traz em si a noção da alteridade, do encontro com os diferentes. Quando caminhamos pela rua, sentamos em um banco de praça ou estamos parados em um ponto de ônibus, não sabemos ao certo quem ou o que vamos encontrar.
Nessa perspectiva, o espaço público configura-se enquanto o espaço do imprevisível, do arbítrio, da plena manifestação pública, muito além de uma mera representação da cidade. Por essa razão, sua importância na cinematografia do urbano; da mesma forma que situá-lo no centro das discussões do Urbanicidades tem contribuído para uma melhor compreensão de suas transformações e formas de apropriação.
Em relação a esta temática, o documentário "Carta Sonora" [3] traz uma boa ilustração da diversidade de usos e de suas formas de apropriação. Em oposição à habitual abordagem da cidade a partir da perspectiva visual de sua paisagem, o documentário instiga que o espectador se atente aos sons por ela produzidos, os quais são potencializados nos espaços públicos, dado que são configurados como o espaço da alteridade e da heterogeneidade.
No entanto, como nos mostram outras produções, nem sempre este contato com o diferente é bem-vindo. Filmes como "O som ao redor" [4] e "Faça a coisa certa" [5] demonstram como o espaço público também pode ser palco, cenário e motivo de conflitos sociais, econômicos e políticos; tornando-se um dos principais articuladores da narrativa cinematográfica. Nestas películas, as narrativas expressam o desenvolvimento das relações de domínio territorial e suas tensões, bem como a representação pictórica-histórica de momentos conflituosos dos espaços que retratam (Recife e Brooklyn, Nova York). Em complemento a elas, os documentários [6] Pixo [7] e Hiato [8] (filmados nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro) mostram formas conflituosas de apropriação e disputas espaciais, levantando questões sobre os direitos de ir e vir, de consumo (do e no espaço) e de expressão, para além da própria ressignificação do termo “espaço público”.
Faça a coisa certa. Direção: Spike Lee. EUA. 1989. (119 min)
Pixo. Direção: João Wainer, Roberto T. Oliveira. BR. 2009. (61 min)
Não obstante a estes aspectos, os últimos anos do histórico de organização do evento deixou evidente a necessidade de trazer estes questionamentos acerca dos espaços públicos sobre a perspectiva do gênero [9]. Para tal, foram eleitas produções cinematográficas cuja atuação e apropriação da mulher no espaço público fosse o centro da narrativa, dedicando-se um ciclo exclusivo para esta temática, no qual foram exibidos os documentários "Chega de Fiu Fiu" [10], "Sob Constante Ameaça" [11] e "Virou o Jogo - A história de Pintadas" [12], presentes também no eixo 4.
2. TRANSFORMAÇÃO URBANA E PROCESSOS DE PRODUÇÃO DA CIDADE
No tocante às transformações urbanas, foram exibidos filmes e documentários que mostram como determinados processos de produção da cidade que seguem uma lógica global e hegemônica afetam localmente o ambiente urbano e a vida de seus habitantes. Os fenômenos da turistificação, gentrificação e especulação imobiliária, consonantes ao urbanismo neoliberal - no qual o espaço urbano é visto como mercadoria -, são grandes promotores de desigualdades socioespaciais e tornaram-se tema de uma parcela considerável da produção cinematográfica recente. A série de curtas "Ficción Inmobiliária" [13], por exemplo, reúne mais de 50 obras cujos antagonistas são personagens que representam estes fenômenos, propondo-o como um gênero mascarado dentro da produção cinematográfica mundial.
Ficción Inmobiliaria. Coletivo Left Hand Rotation. POR. 2013/2015/2016. (26 min)
Abordando perspectivas outras que não a imagem tradicionalmente vendida pelas produções de marketing direcionados aos turistas e aos investidores, essas obras questionam os extremos desses processos, indicando não se tratar de um consumo da experiência local e ‘real’ das cidades, mas de um turismo de massa e uma expansão mercadológica predatória ("Bye Bye Barcelona" [14], "Terramotourism" [15]). Esses processos, que desconfiguram patrimônios materiais e imateriais ("Domínio público" [16]), transformam espaços emblemáticos e relevantes da história e da memória em mercadorias de consumo cada vez mais simplificadas e distantes da realidade, que são produzidos única e exclusivamente para sua exploração econômica.
Bye Bye Barcelona. Direção: Eduardo Chibás Fernández. ESP. 2014. (55 min)
Por meio da simultaneidade de representação de diversas perspectivas dos atores participantes desses processos, essas produções trazem ao centro do debate aspectos da configuração da paisagem urbana, muitas vezes mascarados, tornados invisíveis. Por exemplo, a expulsão dos residentes de seus lugares de moradia em função da impraticabilidade da vida cotidiana perante a turistificação do espaço urbano, associada a especulação e elevação do custo de moradia na área ("Espacio modular" [17]); ou a priorização de investimentos públicos e privados em obras com alto valor de rendimento econômico - como a promoção de megaeventos ("Domínio Público" [18]).
Com a construção de narrativas que perpassam diversos atores, os filmes pertencentes a esta chave temática, ao introduzirem novas questões na abordagem de complexos processos de formação e transformação, recolocam em evidência como as cidades se constituem em atores centrais, elas próprias, tanto para os estudos acadêmicos quanto para a produção cinematográfica, na medida em que abrangem complexos processos de formação e transformação. Como personagens em si, as cidades representadas protagonizam histórias de transformação que se materializam em espaços saturados de turistas, palco de disputas imobiliárias e sociais e de processos de gentrificação; assim como em lugares de manifestação de insatisfações e lutas sociais, que dão lugar a uma paisagem de resistência aos processos hegemônicos.
3. MODOS DE HABITAR E MORAR
O espaço interno e da vida privada ganhou proeminência em 2020 com a vitória do filme "Parasita" [19] na categoria Melhor Filme do Oscar. Filmes nos quais o espaço interno é personificado e os modos de habitar privados explorados criticamente sempre foram uma das linhas de interesse do ciclo Urbanicidades, como ferramenta de ampliação do debate sobre exclusões socioespaciais para além do espaço urbano e da vida pública.
No que tange ao espaço privado, mais especificamente aos procedimentos e elementos que constituem o habitar privado, o Brasil possui uma característica muito singular quanto à sua produção audiovisual, tendo as telenovelas como impulsionadoras de estilos de consumo domésticos e muitas vezes reprodutor das diferenças entre grupos sociais economicamente opostos. O cinema nacional, por sua vez, levanta críticas quanto a certos modos de habitar e de morar espacialmente excludentes, heranças de uma cultura colonialista e ainda presente nos espaços elitizados das capitais brasileiras.
O “quarto de empregada” é um dos pontos mais representativos dessa segmentação espacial desqualificante que aparece criticamente tanto de uma forma mais “natural” no longa "Que horas ela volta?" [20], quanto de uma forma direta no curta "Recife Frio" [21]. Já em "O som ao redor", é o “elevador de serviço” que evidencia a divisão socioespacial, neste caso da tipologia verticalizada, a qual também é tensionada pelos documentários "Um lugar ao sol" - cuja segmentação social aparece, inclusive, entre membros da “mesma” classe divididos entre aqueles que possuem (ou não) uma “cobertura” - e "O menino aranha" [22].
Os limites entre o espaço do patrão e do empregado, do rico e do pobre, são tensionados e quebrados pelos personagens (de ficção e reais) das “classes inferiores” com a apropriação de seus símbolos de luxo: a “piscina”, a “cama king size”, o “quarto de hóspedes”. Essa invasão do mundo privado dos ricos pela classe social operária, pobre e favelada transmite um pavor, medo e revolta por meio dos personagens ricos e elitizados, e um silencioso sentimento de vitória e justiça através dos personagens pobres e marginalizados.
Já na escala da cidade, a segregação socioespacial também foi debatida por meio de documentários que retratam a vida de moradores de ocupações e da luta por moradia, optando-se por filmes que retratam a opinião particular e interna de seus habitantes e não de visões tecnicistas e externas de jornalistas ou especialistas – entre os escolhidos estão "Leva" [23], "Atrás da Porta" [24] e "Prestes" [25]. Nos documentários de resistência (ver ALMEIDA et. al. 2019 [26]), a moradia improvisada e “ilegal” contrasta de forma brutal com as coberturas, mansões e apartamentos de luxo dos exemplos anteriores, retratando um espaço de morar que é construído e administrado coletivamente e cujas estratégias de superação são diárias para o funcionamento da ocupação e a garantia (ao menos provisória) de um espaço mais digno de moradia para seus militantes. Espaços privativos de um único cômodo, salas improvisadas para o comércio informal, banheiros e cozinhas coletivas, ligações de água e luz ilegais, e serviços (e regras) de segurança independentes fazem parte do cotidiano destas pessoas, que ao invés de evidenciarem a precariedade de sua situação, exaltam a qualidade, organização e afeto que possuem com este espaço adaptado que é chamado por eles de lar.
4. GRUPOS EXCLUÍDOS: GÊNERO, RAÇA E POBREZA
Fator fortemente intrínseco aos processos de urbanização brasileira, a segregação socioespacial ainda possui, por um lado, uma relação direta com questões raciais e econômicas. Por outro lado, somam-se a estas questões aspectos de gênero, os quais permanecem, mesmo que em menor escala, como determinantes no processo de criação de territórios e de liberdades de ir e vir, de expressão e de reivindicação por um espaço de voz e debate. Alguns filmes escolhidos pelo Urbanicidades buscaram trazer ao debate a pobreza e a precariedade de alguns modos de vida urbana que assolam muitos brasileiros, muitas vezes agudizados quando esses personagens reúnem o conjunto destas características: ser negra, mulher e da periferia.
Entre os filmes que trataram dessa temática estiveram o premiado documentário "Lixo Extraordinário" [27], no qual a curadoria buscou debater, através do exemplo dos moradores de Jardim Gramacho, questões que extrapolavam a criação da obra artística do personagem principal, mas que abordavam a realidade da luta diária de pessoas que dependem do lixo para sobreviver. Em um cenário de completo desamparo governamental, foram abordados os problemas sociais, econômicos e urbanos dessa parcela da população colocada às margens da sociedade.
Em 2019, o Urbanicidades incorporou a temática do gênero abordando as barreiras simbólicas presentes nos espaços públicos sob a perspectiva do corpo feminino, das relações da mulher com o espaço urbano. Ao retratar cenas cotidianas de um universo dominado pelo medo, pela objetificação e opressão, "Chega de Fiu Fiu" e "Sob Constante Ameaça" revelam a hostilidade de cidades que “não são feitas para as mulheres” [28] e nas quais a liberdade de ir e vir ainda é medida pelo gênero de seus habitantes.
Chega de Fiu Fiu. Direção: Amanda Kamanchek, Fernanda Frazão. BR. 2016. (73 min)
Como modelo de resistência a essas limitações de práticas impostas às mulheres, a exibição do curta "Virou o Jogo: a história de Pintadas" buscou trazer à tona a potência da organização de um movimento de mulheres, que, ao fortalecer sua independência e liberdade na sociedade, foi capaz de transformar cultural e socialmente a comunidade a qual pertencem, quebrando paradigmas patriarcais e envolvendo seus habitantes em uma rede de apoio e valorização das mulheres a partir do protagonismo feminino, neste caso, no esporte. "Nós, Carolinas" [29], um dos filmes mais recentes exibidos no ciclo, também trouxe um alinhamento dessas duas frentes de debate (da limitação e da libertação), demonstrando uma continuidade do evento na criação de um espaço de debate que fala e convida a falar representantes destes grupos socialmente excluídos.
5. CULTURA URBANA REGIONAL
Em 2016, introduzindo questões de territorialidades urbanas e da cultura urbana regional e dando início ao interesse do grupo sobre os territórios brasileiros, foram exibidos conjuntamente o curta "Boa noite, solidão" [30] (de um diretor pernambucano) e o longa "Que horas ela volta?" como forma de se debater o cenário atual da migração nordestina, a qual teve seu auge entre os anos 50 e 70 e que se reduziu a partir da década de 1980, em decorrência da industrialização de outras regiões brasileiras, inclusive no Nordeste. Destes, o curta traz a visão das pessoas que optaram por não se mudar para os grandes centros urbanos, mas que sobrevivem, muitas vezes, dos insumos enviados por seus filhos e netos que mantém ativa uma das cidades com o menor PIB do Brasil; enquanto o longa mostra o choque de duas gerações de migrantes - a primeira de pessoas em busca de uma possibilidade de emprego, fugindo da fome e da pobreza; e a segunda dos jovens (sustentados pela geração de seus pais) que migram em direção ao sul para ingressarem na universidade pública e crescerem intelectualmente.
Em outra linha de análise, as obras do diretor Kleber Mendonça Filho - do mais recente "Bacurau" [31] -, também foram tema de discussão nos debates do ciclo, abordando-se o olhar da direção sobre os temas de seu próprio cotidiano (o bairro da classe média rica, da beira-mar), em vez de um cotidiano alheio, como outros filmes brasileiros que retratam áreas de conflito de favelas e bairros periféricos. "O Som ao redor", por exemplo, retrata uma rua de classe média de Recife [32] que emula as relações de poder coloniais por meio de seus personagens e episódios: o “avô”, expressão do poder, proprietário de grande parte dos imóveis da rua, as “reuniões de condomínio” em que se manifestam os preconceitos; ou ainda, os fluxos de circulação e espacialidade das empregadas domésticas em serviços aos patrões.
O retrato de ambientes privados e espaço públicos e a forma com que essas relações são traçadas no Brasil aparece também em "Aquarius" [33], no qual a arquitetura é utilizada como metáfora da decadência da elite intelectual brasileira, que dá lugar à elite consumista dos edifícios verticais e das coberturas. Por sua vez, a “docuficção” "A Cidade é uma Só" [34], ambientada em Brasília e escolhida devido à naturalidade de sua direção (Adirley Queiroz [35] morou em Brasília desde seus três anos de idade), recupera e discute as campanhas de erradicação das invasões da década de 1970, que empurrou os trabalhadores da construção do Plano Piloto para as cidades periféricas, configurando uma situação de segregação e desigualdade socioespacial que perdura até os dias de hoje. O filme serviu como instrumento de debate sobre a capital modernista brasileira e seus territórios satélite, bem como uma crítica ao plano-piloto - objeto de estudo de muitos arquitetos e urbanistas brasileiros.
A Cidade é uma Só. Direção: Adirley Queirós. BR. 2012. (73 min)
Percebendo a potência da temática da cultura urbana regional, o grupo optou, em 2020-2021, por trabalhar uma sequência de três ciclos semestrais (dois ainda por vir), intitulada "Cidades brasileiras: narrativas, imaginários e limiaridades". O primeiro ciclo, "Território e Cinema de Belém do Pará" [36], discutiu questões inerentes à cena urbana da metrópole paraense, entre elas o tecnobrega e o mercado informal da música ("BREGA S/A" [37]), o registro de uma realidade que traduz o imaginário profundo da vida amazônica ("Lugares do Afeto: A fotografia de Luiz Braga" [38]), o cotidiano de mãe e filha que moram do outro lado do rio ("Ribeirinhos do asfalto" [39]) e particularidades presentes na maior romaria católica do Brasil, o Círio de Nazaré ("As Filhas da Chiquita" [40]). Nesta edição, a primeira feita de forma completamente online, foram convidados os diretores de algumas obras e pessoas com conhecimento local, naturais ou naturalizados desta capital histórica brasileira.
Brega S/A. Direção: Vladimir Cunha e Gustavo Godinho. BR. Greenvision Films, 2010. (59 min)
Lugares do Afeto: A fotografia de Luiz Braga. Direção: Jorane Castro. BR. Cabocla Filmes, 2008. (70 min)
Embora o Urbanicidades tenha chegado a sua sétima edição, os títulos apresentados não perderam sua atualidade [41], uma vez que as temáticas identificadas continuam no cerne do debate, muitas delas reanimadas, inclusive, pelo contexto pandêmico. Da mesma forma, a amplitude de temáticas trazidas, bem como a multiplicidade de chaves de interpretação possíveis, demonstra a potencialidade do recurso audiovisual como fomento da reflexão do urbano.
Como ferramentas de investigação e análise, os filmes e sua composição com os vários olhares propostos pelos debates realizados têm contribuído muito para o avanço das questões que cercam a compreensão do ambiente urbano contemporâneo. As películas apresentadas também se mostram como uma linguagem rica e multidimensional para compreensão dos conteúdos e escalas complexas e variadas desta urbanidade, por vezes difíceis de serem apreendidas por meio de trabalhos tradicionais. Essa face menos acadêmica da narrativa audiovisual também permite a participação de um público mais amplo, dando também um caráter extensionista ao projeto.
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NOTAS
[1] Os cartazes de cada uma das edições do evento encontram-se anexos a este ensaio.
[2] Ensaio escrito em Outubro de 2020.
[3] Carta Sonora. Direção: Suzana Reck Miranda, Mário Cassettari. BR. 2010. (52 min)
[4] O Som ao Redor. Direção: Kleber Mendonça Filho. BR. 2012. (131 min)
[5] Carta Sonora. Direção: Spike Lee. EUA. 1989. (119 min)
[6] Junto nesta temática também sugerimos o curta Galinha, do coletivo Bijari.
[7] Pixo. Direção: João Wainer, Roberto T. Oliveira. BR. 2009. (61 min)
[8] Hiato. Direção: Vladimir Seixas. BR. 2008. (19 min)
[9] A temática de gênero, no entanto, até o momento não é central a nenhuma pesquisa do grupo. Sua escolha se deu devido ao contexto de discussão cultural extra-grupo, em âmbito acadêmico (com a relação com as Semanas da Pós-Graduação, por exemplo) e social - pela proeminência das produções no cenário nacional. O predomínio feminino entre os pesquisadores do grupo também pode ser considerada uma das razões pela escolha do tema.
[10] Chega de Fiu Fiu. Direção: Amanda Kamanchek, Fernanda Frazão. BR. 2016. (73 min)
[11] Sob Constante Ameaça. Direção: Andrea Dip e Guilherme Peters. BR. 2018. (26 min)
[12] Virou o Jogo - A história de Pintadas. Direção: Marcelo Villanova. BR. 2012. (26 min)
[13] Ficción Inmobiliaria. Coletivo Left Hand Rotation. POR. 2013/2015/2016. (26 min)
[14] Bye Bye Barcelona. Direção: Eduardo Chibás Fernández. ESP. 2014. (55 min)
[15] Terramotourism. Direção: Left Hand Rotation. POR. 2016. (42 min)
[16] Domínio Público. Direção: Fausto Mota, Henrique Ligeiro, Raoni Vidal . BR. 2014. (98 min)
[17] Espacio Modular. Direção: Bautista Yáñes e Nicole Rodriguez. CHI. 2013. (29 min)
[18] Aqui sugerimos também o curta A Copa do Mundo no Recife, ainda não exibido no Urbanicidades, mas dentro de suas temáticas afins. A Copa do Mundo no Recife. Direção: Kleber Mendonça Filho. BR. 2014. (15 min)
[19] Parasita. Direção: Bong Joon Ho. KOR. 2019. (132 min)
[20] Que Horas Ela Volta?. Direção: Anna Muylaert. BR. 2015. (114 min)
[21] Recife Frio. Direção: Kleber Mendonça Filho. BR. 2009. (24 min). Outra sugestão de curta ainda não exibido no ciclo, mas analisado nestes anos pela curadoria.
[22] O Menino Aranha. Direção: Mariana Lacerda. BR. 2008. (13 min)
[23] Leva. Direção: Juliana Vicente, Luiza Marques. BR. 2011. (55 min)
[24] Atrás da Porta. Direção: Vladimir Seixas. BR. 2010. (92 min)
[25] Prestes. Direção: Grupo Risco. BR. 2007. (30 min)
[26] ALMEIDA, M.F.; ALVES, M. R.; DAITX, M.C; GUAZZELLI, B. G.; HERMOSO, T. O.; SARTORI, M. C.; SCUDELLER, B.P. O documentário de resistência como contranarrativa nas disputas pelo espaço urbano. In: III ICHT, 2019, São Paulo. Anais. São Paulo: FAUUSP, 2019. p. 877-897.
[27] Lixo Extraordinário. Direção: João Jardim, Karen Harley, Lucy Walker. BR, GBR, NIR. 2010. (99 min). Junto com este filme, foi exibido o curta Eletrodoméstica, com o intuito também de fomentar o debate sobre a produção e o consumo e a realidade periférica de diferentes personagens desta lógica de acumulação capitalista, representados na “dona de casa” que possui uma relação íntima com os eletrodomésticos e os “catadores” que transformam os itens de descarte em novos insumos da produção.
[28] Fala retirada do documentário Chega de Fiu Fiu.
[29] Nós, Carolinas. Direção: Coletivo Nós, mulheres da periferia. BR. 2017. (17 min)
[30] Boa Noite, Solidão. Direção: Geneton Moraes Neto. BR. 2016. (85 min)
[31] Bacurau. Direção: Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho. BR. 2019. (131 min). Embora Bacurau não tenha sido exibido no Urbanicidades, foi um filme amplamente debatido no cenário nacional e dentro das atividades de ensino do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU).
[32] Como sugestão para debater-se o Recife por meio de filmes, sugerimos também o longa A Febre do Rato.
[33] Aquarius. Direção: Kleber Mendonça Filho. BR. 2016. (142 min)
[34] A Cidade é uma Só. Direção: Adirley Queirós. BR. 2012. (73 min)
[35] Branco Sai, Preto Fica é outro filme analisado pela curadoria, que não foi exibido, mas que indicamos como outra produção para discussão sobre a realidade das cidades satélite de Brasília e sua condição de sócio exclusão racial e econômica. Branco Sai, Preto Fica. Direção: Adirley Queirós. BR. 2014. (93 min)
[36] Este ciclo foi realizado durante a escrita deste ensaio.
[37] Brega S/A. Direção: Vladimir Cunha e Gustavo Godinho. BR. Greenvision Films, 2010. (59 min)
[38] Lugares do Afeto: A fotografia de Luiz Braga. Direção: Jorane Castro. BR. Cabocla Filmes, 2008. (70 min)
[39] Ribeirinhos do Asfalto. Direção: Jorane Castro. BR. Cabocla Filmes, 2011. (26 min)
[40] As Filhas da Chiquita. Direção: Priscilla Brasil. BR. 2006. (51 min)
[41] Apresentada aqui de forma mais resumida, a programação completa deste e dos demais ciclos pode ser acessada pelos canais do Instagram, Facebook e site do grupo LEAUC - Laboratório de Estudos do Ambiente Urbano Contemporâneo
Este ensaio foi produzido coletivamente por Manoel Rodrigues Alves, Maria Beatriz Andreotti, Heloisa Cizeski, Maíra Daitx, Bárbara Guazzelli, Milena Cristina Sartori e Bárbara Scudeller.
O LEAUC tem como foco a investigação transdisciplinar da cidade contemporânea, seus processos de conformação e transformações, suas distintas espacialidades, novas formas de sociabilidade e expressão cultural. De forma transversal, as dimensões conceituais, contextuais e processuais são investigadas pelo grupo a partir do questionamento: há algo novo? o que é efetivamente novo?